Por: Margarida Drumond de Assis
É 5 de outubro de 2020 e um relevante nome se nos chega: o de Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, natural do Rio de Janeiro (1930) e falecido no dia 27 de agosto de 2006, aos 75 anos. Faria hoje 90 anos, e o seu nome tem espaço bem marcado na história do Brasil e na da Igreja Católica, embora não apenas para esta, porque santo sacerdote, bispo e arcebispo como foi – de uma vida de entrega radical à Igreja e no serviço ao mais fragilizado, Dom Luciano não via barreiras de distanciamento, nem ideologias, nacionalidade, pensamento religioso diverso, nada disso importava. Para ele, empecilho algum deve barrar a aproximação entre as pessoas, uma vez que somos todos irmãos, filhos do Deus vivo, Único. Cada pessoa é um ser humano e, portanto, merece respeito e o direito a uma vida digna.
Falar do jesuíta Luciano nos aproxima de outro nome maior da Igreja, o do Papa Francisco, que, ainda ontem assinou, sua terceira Encíclica, Fratelli tutti (todos irmãos), na cripta da Basílica de São Francisco de Assis de quem, neste domingo, nos lembramos, honrados e felizes por tê-lo entre os nossos santos. Na carta de 84 páginas, apresentada por Francisco, vemos quanto o seu pensamento e o de Dom Luciano Mendes são mesmo o daqueles pertencentes à Companhia de Jesus, os Jesuítas. O que norteia sua vida é oração e ação, buscando a identidade de Jesus Cristo em cada pessoa. Dom Luciano viveu radicalmente essa diaconia evangélica. “Pois o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mc 10, 44). Dessa forma, o Sumo Pontífice, transcorridos sete anos e meio como chefe visível da Igreja, mostrou, em seu Documento eclesial, a preocupação de que não vivamos o individualismo que aumenta a divisão e afasta as pessoas. Aliás, o Papa denunciou as desigualdades sociais e pediu o fim do “dogma neoliberal’, pois este pensamento é pobre e propõe apenas as mesmas receitas, ainda que mediante diferentes desafios. Daí o titulo da encíclica Fratelli tutti. Era assim, Dom Luciano Mendes de Almeida.
E como nestes últimos meses tenho trabalhado nos três volumes de uma Série de crônicas sobre o legado que Dom Luciano nos deixou, são inúmeros os exemplos que vêm à mente quanto ao que ouvi em depoimentos ou li a seu respeito, em escritos diversos, ou mesmo do que vi das palestras e conferências que ele fazia, sempre o coração transbordante do pensamento que confirmava o lema episcopal escolhido no dia da ordenação, em 1976, em São Paulo: “Em nome de Jesus”. Tais pesquisas, recordemos, eu as fiz para escrever Dom Luciano, especial dom de Deus (2010, 1.022 págs.), em São Paulo, depois apresentado em aproximadamente quarenta cidades no país, também lá fora, em Cartagena – Colômbia e Caribe.
Um exemplo da bondade vivida por Dom Luciano é o que contou, ele mesmo, em uma Conferência. Uma senhora o convidada insistentemente para que ele fosse almoçar em sua casa. E nada de ele conseguir uma vaguinha na lotada agenda. Resolveu: “Serve um irmão?” Assim combinado, a mulher fez um almoço e logo foi à porta atender, era um mendigo. Ela o convidou para entrar. “O almoço está pronto, só vamos esperar um pouco que o irmão do meu amigo vai chegar”. Acabaram almoçando apenas ela e o desconhecido que vivia em situação de rua. Dias depois, ela disse a Dom Luciano: “Mas o seu irmão, hein, não apareceu!”. “Como não, ele me disse que almoçou muito bem e gostou da comida, ficou agradecido”. Só então, ela compreendeu o que ele fizera e o que testemunhou com essa prática.
De outra feita, um amigo que o acompanhava, levando-o para casa, parou subitamente o carro, pois Dom Luciano viu que alguém o aguardava, à noite e debaixo de chuva. “Pare o carro, por favor, vou descer para falar com ele”; “O guarda-chuva, Dom Luciano”. “Não precisa, o irmão está molhando, quero molhar com ele”, respondeu de pronto. É este grande sacerdote e bispo da Igreja de quem hoje nos lembramos e faço o lançamento on-line de outro volume. Por enquanto, devido à pandemia do coronavírus, apresento Dom Luciano, pastor e irmão – crônicas, Vol. II, homenageando-o, im memoriam, nos seus 90 anos; o Vol. I, foi em 27 de agosto, pela passagem dos 14 anos de falelcimento, e, dando certo, até 20 de dezembro próximo, teremos o Vol. III finalizando a Série de três livros, total 230 crônicas que foram divulgadas na Rádio Educadora de Cel. Fabriciano, em Minas, emissora dos padres redentoristas, e na Rádio 9 de Julho, da Arquidiocese de São Paulo. A linguagem é leve, fluida, como pede o Rádio, tudo no sentido de fazer chegar a mais e mais pessoas o legado de amor deixado pelo arcebispo de São Paulo, por doze anos; e Mariana, dezoito; além dos anos anteriores desde que entrou para o Seminário em 1947.
Dom Luciano viveu sua fé na radicalidade e se constituiu em exemplo a ser seguido, mostrando que devemos confiar em Deus, em sua Providência e trabalhar para unir prática e Evangelho. Ele viveu o período da Ditadura Militar (1964 – 1985), tempo em que não mediu esforços para denunciar injustiças, se aproximar dos pobres e defender os marginalizados, os mais vulneráveis. Era ainda bispo auxiliar de São Paulo quando foi eleito para Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, função que ocupou em dois mandatos, tendo antes exercido a função por igual período como Secretário Geral; foi Primeiro Vice-Presidente do Conselho Episcpocal Latino-Americano – CELAM; bispo delegado para participar de onze Sínodos, em Roma, também confirmado pelo Papa; e tantas outras missões cumpriu, mesmo enquanto Presidente da CNBB e Arcebispo de Mariana. Para ele, sua missão ia além das dimensões geográficas de um estado ou país, era além-fronteiras.
Por sua vida de santidade e seu grande testemunho de amor, em 2011, transcorridos cinco anos de sua morte, Dom Geraldo Lyrio Rocha, então Arcebispo de Mariana, anunciou o envio à Congregação para as Causas dos Santos do pedido de autorização para dar início ao processso de Beatificação do jesuíta Dom Luciano; em 27 de agosto de 2014, foi aberto o Processo, uma vez autorizado por aquele Discatério. Passou a ser chamado Servo de Deus. Cumpre agora aguardar o avanço do processo de beatificação na etapa romana. Mas por que eu estaria a dizer tais detalhes? Temos vivido tempos difíceis, nebulosos e às vezes não temos perspectivas de quando teremos o mundo de volta, ainda que em um novo normal. Somente de uma coisa temos certeza: toda a situação que vimos nesse longo período, já mais de seis meses, mostrou a imensidão das desigualdades sociais, o desrespeito à vida do outro, sem que ele tenha o mínimo necessário, água, alimento, saúde, educação. Exemplos de vida como os praticados por Dom Luciano Mendes de Almeida, esse especial dom de Deus, precisam estar em pauta, lembrando-nos de que cada um de nós também pode tornar este mundo mais fraterno e feliz.
Brasília, 5 de outubro de 2020.
Margarida Drumond é professora, jornalista e escritora, autoria de Irmã Mônica, caminho de Providência e Eu já nasci padre!, este sobre Pe. Abdala Jorge; do romance Doce complicação; de poesias, De novo o amor; entre outros.
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Fonte: www.acontecendoonline.com.br